quinta-feira, 30 de abril de 2015

Um conto sobre Longinus. (Três gritinhos e três pulinhos)

Era o dia da crucificação dos condenados e Longinus, o Centurião da Lança, como era chamado, suava em poças naquela tarde abafada de abril.
 Aquele dia já costumava ser sombrio e trazia o pior do senso de justiça deturpado de toda uma época. O som do ranger e do arrastar seus próprios instrumentos de tortura pelas ruas de pedra até o monte da caveira, somada a multidão de abutres que cercava os condenados, aquele dia era ainda mais estranho. Pois a algazarra estava misturada de gritos e choro por misericórdia, e isso  nunca aconteceu antes. O povo todo costumava apoiar as execuções unânime.
 Naquela tarde pairava uma trevosa culpa sobre os soldados, pois um dos condenados era aclamado como inocente, e se isso não fora suficiente, também diziam que descendia de um rei muito amado do povo, e os mais extremos chamavam-no filho Deus. Nunca havia sido assassinado nenhum dos três numa cruz antes. Os soldados tinham medo da má sorte que isso podia trazer. Mas o centurião estava calmo, concentrado. Seu olhar era quase o de um morto. Parecia não se importar com o que gritavam. Estava longe. Suava de cansaço, mas cumpria suas ordens: fazer os soldados conterem o povo e confirmar a execução. Os clamores não mudariam nada, é o que dizia sua expressão. Os três condenados seriam mortos, e ele garantiria isso com sua lança.
 Longinus era Capadócio e tinha fama de ter sido sanguinário mesmo antes de ser soldado.
 Trazia uma lança feita de um gládio quebrado, e somente o aspecto de sua lança já faria qualquer um tremer. Incontáveis vidas já tinham sido ceifadas por aquele objeto desde o tempo em que aquela ponta de lança ficava em sua mão esquerda, ainda em forma de espada. Fora temperada com sangue inimigo e martelada com aço estrangeiro nos campos de batalha.
 Longinus era invencível aos homens, e talvez por isso os deuses decidiram humilhá-lo.
 -Quebrou-se o gládio do centurião!-Gritou algum soldado inimigo.
 E todos ao redor se lançaram sobre ele como cães selvagens. Não morreu porque não era a hora do herói, e os heróis também as vezes são salvos por seus pares na batalha.
 Assim salvaram e levaram Longinus de volta. Ferido, pois os deuses não queriam-no morto, mas humilhado. Com o Gládio quebrado na ponta, quatro ou cinco dedos para o meio. Partido em dois.
 Dizem que foi depois disso que ele foi para Jerusalém. Não queria saber de deuses ou batalhas. Nem mesmo de seu nome. Não tinha mais o brilho do sangue nos olhos. Tornou-se chefe do cortejo dos condenados. Que acompanhava execuções e garantia que ninguém sairia vivo. Seu gládio fora reformado em uma descomunal ponta de lança, que agora dava o golpe de confirmação nos que morriam. A Lança do Destino, quem passasse por ela só tinha como destino a morte certa.
 A cada crucificação ele tomava um banho de sangue por isso. A ponta remendada da lança fazia respingar o sangue condenado sobre ele, toda execução. Não consertava nem trocava a lança. Limpava o sangue e ia pra casa assim que terminava o serviço.  E nos dias de Páscoa Judaica como aquele, tinha que se certificar de que tudo acabaria antes do fim da tarde, que era o início da festa de aleluia.
 Era sério, grave, cheio de cicatrizes. Uma delas, sobre os olhos, lhe causava uma grave doença na visão.
 Não era visto nas tavernas e nem tampouco alguém sabia seu nome verdadeiro, ou onde habitava.  Era o centurião carrasco. Sombrio. Temido como a morte. E isso era tudo que sabiam dele.
 Havia mesmo algo estranho naquela execução. Longinus não costumava sentir tamanho desprezo por nenhum condenado, mas o demonstrava por aquele coroado com espinhos. Era a única coisa que tirava o olhar de enterro do centurião naquela tarde. Quando olhava para o galileu, olhava com ódio. Cuspia no chão e dizia uma praga. Mandava que martelassem com força seus cravos. Quando levantaram as cruzes e fez-se grande silêncio, havia nos lábios de Longinus um leve sorriso, e no seu olho, uma lágrima. E estava longe.
 O nazareno gritou qualquer coisa como um chamado a seu deus, depois ao povo, depois disse algo calmo, como a seu pai. Longinus riu novamente com ódio quando ouviu a palavra pai. Falou algo sobre o paraíso com o ladrão à sua esquerda, aquele chamado Dimas. Achou absurdo,  mas como era justo com os condenados, no último momento, quando começavam a gritar pela dor e vertigem, oferecia-lhes uma mistura de vinagre e fel, que trazia de sua casa.
 Ele mesmo o oferecia em uma esponja, pendurada na lança que depois furaria os cadáveres. Assim fazia com que cada um beijasse o gládio quebrado antes de morrer.  E lhes dava alívio.
 O primeiro ladrão aceitou e abaixou a cabeça entorpecido quando o efeito se fez valer. O segundo, que era o querido da multidão, olhou-o fixamente nos olhos, recusou a poção e disse:
 -Sua esposa e seu filho estão com meu pai, e um dia tu também estarás conosco, no paraíso. (e o chamou pelo nome)
 Longinus estremeceu. Se afastou daquela cruz dando passos para trás. Nunca ninguém o vira fazer um movimento de recuo em sua vida.
 Com um brado o homem do meio desfalesceu, e no exato momento começou a cair uma forte chuva. Muitos se afastavam enquanto Longinus permanecia inerte, com sua lança na mão, olhando para a cruz.
 Ele pensava na mulher que morrera nas complicações do parto prematuro, que foi causado pela notícia de sua queda em batalha, principalmente pela visão de seu estado quando o trouxeram à casa. Ela pensou que ele morreria. Entrou em pânico e começaram as contratações. Seu filho nascera tetraplégico e morrera a dois dias atrás.
Ele pensara nisso toda aquela tarde. Ninguém sabia que ele tinha um filho, pois temia retaliações das famílias dos condenados. Sua mulher e filho eram uma parte da "humilhação dos deuses" que ninguém em Jerusalém sabia. Ele executara aquele homem com ódio de vingança. Estava se vingando de deuses e homens por toda a tarde. Se deuses existiam culpava-os, mas preferia acreditar que não existiam do que que fizeram tudo aquilo com ele, e até mesmo com seu filho inocente, que antes do tempo nasceu para humilhá-lo pelos deuses, que sofria com dores e convulsões por anos desde o nascimento. Que precisava tomar vinagre com fel.
 Tratava o homem com o desprezo de quem fingia ser filho de um dos seus carrascos imaginários. Se era filho de um deus, se vingava. Se não era, vingava o povo de um charlatão que comia e bebia de quem enganava. De todo modo, por si ou pelos homens, era um vingador.
 Foi pelo filho que ele abandonou as guerras. Sua lança remendada servia para lembrá-lo. Jurou usá-la a partir de então para justiça, pela vida de seu filho, que nunca andaria nem falaria, e que tinha os olhos da mãe. Ele jurou que aquele gládio assassino quebrado agora só mataria os condenados. Nunca mais mataria inocentes. E agora estava ali, frente ao cadáver daquele estranho homem, que sabia no que ele pensara naquela tarde toda contra si, e também do motivo da sua vingança. Mas, que antes de morrer lhe disse as palavras mais reconfortantes que ouviu em anos. Pensava que se aquele homem fora filho de um deus, nunca mais teria perdão.
 Neste momento se aproximou um soldado e lhe informou que se aproximava a hora da festa, e perguntou se deviam quebrar as pernas dos condenados para tirá-los das cruzes. Longinus fez um sinal afirmativo e disse: "Menos o do meio, pois já está morto. Eu lhe darei a confirmação, e depois podem tirá-lo."
 Aproximou-se lentamente com sua lança mortal, enquanto a chuva estiava. Num golpe preciso, atravessou o pulmão e o coração de uma só vez. E então verteu sangue e àgua sobre si. Quando viu que o sangue tinha virado  água exclamou "Verdadeiramente, este homem era filho de Deus!". E neste momento seus olhos ficaram curados pelo sangue, sentiu o fim da irritação neles e voltou a enxergar com perfeição como quando era jovem. Entendeu isso como um perdão do Deus daquele condenado, o Deus à quem matara o filho. Comoveu-se.
 Longinus com sua lança, confirmou não apenas a morte, mas o único milagre do filho de Deus, enquanto morto.
 E daí seguiu para casa, para se tornar mártir de Cristo, e também para encontrar objetos perdidos, em troca de três gritinhos e três pulinhos.
 São Longuinho.

domingo, 19 de abril de 2015

Sobre pessoas que se vendem

Não é bom se vender, nem comprar as pessoas.
Porque quem se vende nunca vale a compra, e quem compra,  não vale nada.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Presente

Eu só penso em robôs e robõs e robôs ...
 Enquanto assisto todo esse passado em prelúdio.

domingo, 12 de abril de 2015

Canal

Todo ateu é um canal para o nada.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Barato total

É tudo barato...
Tendo dinheiro, É tudo uma pechincha...