quinta-feira, 16 de março de 2017

Pelicanos Negros

Eu sou um pelicano negro de petróleo desperdiçado, derramado em um rompimento de tubulação. Não consigo voar. Olho a margem negra da praia e os peixes mortos, e rio da fome que irei sentir. Meus filhotes, negros e moribundos como eu, mas sem nenhuma consciência, bicam minhas penas e meus olhos, em buscas dos vermes que já consomem minha carne, a única coisa que restou para comer. Se encontram algum e se alimentam, limpando-me um pouco da morte que de mim se apossa, e sinto assim um pequeno alívio, consigo dar uma gargalhada engolfada em óleo, que vomito aos gorgolhões ao ar e em volta. E tornam eles a remexê-la em busca de mais vermes.
Não há peixes vivos, só rabos, espinhas secas e cabeças de peixe sobre o manto negro. O espelho dágua agora é negro. E alguém se aproxima com uma tocha acesa, pela praia, dizendo ser essa a solução...
Penso em como ficarão bonitas e doídas nossas penas em chamas. Meus filhos iluminados pelo fogo. E a nuvem negra subindo no horizonte do mar.
Choro.
Arde e coça.
E algo se mexe sob minhas pálpebras cheias de areia e óleo.
Lágrimas negras.
"Meus olhos! Biquem meus olhos, meus filhos! Meus olhos coçam e choram lágrimas ácidas! Biquem meus olhos, pequenos pelicanos negros! E se alimentem! ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha!"

quarta-feira, 15 de março de 2017

A Paz que Sinto

Dentro do meu corpo , vivo em trevas.
Na escuridão da minha caixa craniana habitam faíscas bioquímicas.
Meu coração movimenta o sangue, enquanto se banha na tênue luz avermelhada que penetra por entre a pele, os poucos músculos e os ossos.
É uma escuridão morna.
Substâncias endócrinas e enteógenas tornam agradável o passeio e o repouso.
Ou incomodam quando está faltando algo.
No centro dos meus ossos, o sangue surge.
A paz que sinto, não sei de onde vem.
Não é daqui. Não parece ser deste corpo.
Não confio totalmente nela.
Mas estamos aprendendo a conviver.
Para que eu me torne pacífico,
Ou ela se torne louca.

sábado, 11 de março de 2017

PLANO. PLEASE.

eu estou fazendo exatamente o que quero , na medida exata da razão entre minha vontade e minha potência. minha potência é meu amor próprio por cada momento e instante. se manifesta em o quanto eu amo, e melhoro ou conservo ou ainda atraio ou afasto por amor, tudo que tem minha atenção no momento e instante em que vivo. sim , eu queria ser mais forte, querer mais, e amar mais a tudo que rodeia minha atenção. não , não quero mudar mais que isso no mundo. sei que mudo. aceito o que mudo. não quero mais que isso. quando vem mais agradeço e compartilho. normalmente vem menos e preciso do que é comum, mas tenho esperança de resolver estes déficits de potência/vontade, ou vontade/potência. não , não sei como. senão não seria esperança, seria um plano. e isso, no momento, é exatamente o que eu não tenho.

sábado, 4 de março de 2017

Cru

Calor do infernos na Alameda São Boaventura.
O dia começou muito ruim pra quem não tá acostumado com a rotina de pessoas como nós.
Mas insistimos em fazer arte, com tosse, pigarro da mesma amada alameda cheia de árvores , embora não tanto quanto era antes , e assim sempre...
Minha esposa vê um filme em inglês com legendas em português, e para aprender melhor o inglês desliga o ventilador.
Mas insistimos em fazer arte , pois temos a ânsia da criação em nossos ventres insaciáveis, então tomamos nosso instrumento de ofício (um deles), e sopramos.
Aos que não sabem , eu toco saxofone, e é uma das coisas que tenho de melhor para oferecer , restando apenas rabiscos em cores, e nesta literatura virtual que vêem.
Pois aos primeiros sons, óbvio, interrompo a aula de cinema-inglês-português e paranormalidade, pois é o tema do filme. Minha esposa é atéia e cética, mas gosta de entender os enredos das coisas, e admiro muito isso nela.
Ela reclama "Mah , dai..."
E então pego o sax e levo para o jardim. é uma floricultura, e tem motos na frente. São 20:30 da noite . Perfeito.
Sento-me. Apóio o cigarro ao lado. E toco o tema de Blade Runer, baixinho. São umas três notas, o começo, bem lentinho. Emoção pura. É o que eu tô tentando sentir e expressar ao mesmo tempo, e é tão baixo que um suspiro extinguiria, e mesmo assim , sinto vontade de continuar tocando. Tá bom. É melhor que falar e funciona melhor pra sentir as respostas da vida também.
Mas vem a vizinha da janela e diz. "Poxa , na hora do meu Jornal , não né meu amigo." E assim no grito, cala a arte da Alameda São Boaventura por alguns segundos.
Eu paro, penso na utilidade da Arte que Eu Faço , e no Jornal Nacional. E penso:
-Empatou.
 Mas, como não sou apenas saxofonista, a arte não pára na Alameda São Boaventura.
Volto e escrevo essa crônica, e sigo sendo apenas uma personagem comum da mesma via. QUE NÃO GANHA HISTÓRIAS NO GRITO. Embora já tenha tentado muito dessa maneira, também.
 E trago junto a vizinha amiga que não é musicista, mas agora que entrou na história, se torna também personagem imortal. Um fone? Uma Tv melhor/ Fechar a janela, mas tá calor né... Ar tá caro. Vai tocar dentro de casa. Vai escrever. Arte pra que, né...
 Nessas minhas humildes linhas de literatura virtual.
O que eu queria é tocar sem incomodar o jornal de ninguém. Mas as vezes você precisa fazer em silêncio o que estava fazendo com os lábios , a respiração, e tudo mais. Escrevo.
 Estou de folga mesmo. Nem devia ter tocado.
Deveria estar só escrevendo, e personagens melhores...
 Menos cru.