sábado, 12 de maio de 2018

Com unguentos e ais.

Tenho uma ferida que não fecha.
Sangra, dói, arde e queima.
Não cessa seu incômodo,
Nem quando imóvel, em repouso, massagem, ou tratamento.
Só não sinto o seu incômodo quando ela está ardendo, queimando, doendo e sangrando.
No mais, seu incômodo não é nada disto,
Mas a sensação da cessação de sua continuidade natural.
Os fluídos, que deveria passar mudos por tal tecido,
Ali se congestionam, se apodrecem ou regeneram,
Se estagnam ou se excretam pelas extremidades rotas.
Amarelos vermelhos e transparências viscosas.
Se acumulam ou se esvaem.
Se cristalizam e se descolam.
Se escurecem ou com rosa luminosidade se transformam novamente em vida.
Não posso ficar imóvel, pois é nos ossos e entre o ossos que me feri,
Cedo, muito cedo,
Me esvaio ou coagulo no mesmo lugar.
Não se vê bem o rasgo, o furo, a espícula óssea e o carnegão do gânglio mais próximo.
Faz-se uma íngua e me preocupo com o todo.
A febre local toma cada parte de enorme inflamação chamada corpo.
Haverá um estranho?
Um corpo, agente patógeno, presença tóxica?
Teria sido uma pseudo-auto-mutilação?
Pontos, traços róseos entre os tons negroides,
O branco dos ossos onde se encerra a nova fenda.
Já quebraste algum osso?
Tanto que aparecesse?
Não? Não ria.
Os ossos não se esquecem das feridas.
Não se deixam silentes quando chega o frio e a idade.
Reclamam até do amanhã.
Não se esqueça de não estalar os dedos,
De não deixar de espremer os gânglios,
De cuidar dos dentes,
De mexer na ferida.
E principalmente:
Há que se cuidar das feridas que não se vêm mais.
Para que não voltem.
E do invisível e intocável, mas que se fere.
É preciso evitar de se machucar o que não se vê.
Com unguentos e ais.

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