-Então a menina acordou com aquele rapaz bem arrumado e fisicamente bonito bem na fente do seu rosto. Tinha certeza de que havia sido beijada.
-Ela deve ter gostado!
-Não, véi. Ela achou um abuso e começou a gritar. Pegou o telefone e ligou pra polícia, que prendeu o rapaz e salvou a menina.
-Então ela ficou com o policial que a salvou?
-Não, véi. O policial sabia que só estava fazendo o trabalho dele e nem deu em cima dela. Ainda percebendo que ela estava abalada, recomendou um psicólogo. Que ela aceitou.
-Ah! Saquei! Então ela ficou com o psicólogo! Que bom pra ela, né?
-Não, véi. Isso seria um desastre. O psicólogo não pode ficar com a paciente, pelo código de ética. Pra preservar a terapia, a classe, e principalmente, a paciente. Na verdade, ele ajudou ela perceber que a depressão, que a fazia dormir demais, era por ter uma personalidade assexuada e não saber como se encaixar num mundo tão devotado ao instinto sexual e suas distorções.
A pressão dos comportamentos sexuais, considerados normais na nossa sociedade, a deixavam completamente deslocada. Ela sabia que quando outra pessoa se comportava sexualmente com ela, esperava que ela correspondesse com repulsa e atração, mas ela não sentia nem um nem outro. Não sentia nada. Expressava surpresa e um pouco de indignação. Não era entendida por ninnguém. -"Que exagero!"- Diziam.
O instinto não lhe causava o nojo do trauma (ou da repetida preferência indesejada), nem a atração da aproximação de um ideal desejado. Na verdade, ela achava sempre fora de ocasião, as manifestações sexuais sutis ao redor, mesmo entre as outras pessoas, pois não frequentava "locais para solteiros", nem se colocava em situações de mal entendido, pois simplesmente não emitia tais sinais. Estava sempre nos lugares de trabalho, diversão e aprendizado, mas nunca em situações e lugares onde fosse natural o comportamento sexual. Preferia os lugares onde isso deveria ser inadequado. Achava que assim sua falta de interesse à respeito passaria despercebida, já que todos se comportariam assim também. Que não tentariam "comer a carne" onde o ambiente era de "ganhar o pão". Mas percebia que as pessoas faziam esse jogo o tempo todo, apenas diminuindo a intensidade, nunca a frequência. Tinham uma idéia fixa, e a julgavam mal por não participar dela. Antipática.
Quando finalmente aprendeu que era normal, apesar de rara, tranquilizou-se e viveu feliz (o máximo possível...) E nunca mais foi incomodada pela tia chata que tinha tentado arrumar um "bom partido" pra ela. O tal que a tia deixou ir ao seu quarto, e que a beijou enquanto dormia.
-Mas e ela nem era lésbica? Nem foi abusada quando criança? Nem ia casar com ninguém? Ter filhos? Ela não tem que ter filhos??? Se ficar sozinha, ela não vai ser infeliz??? ISSO TÁ ERRADO !!! É ANTI-NATURAL!!!
-Não , véi... NÃO.
Nenhum comentário:
Postar um comentário