terça-feira, 17 de outubro de 2017

Porque não.

Acordou de um sonho estranho em que voava pelas montanhas de um país onde nunca estivera.
A velocidade do vôo era incomum , mesmo para os veículos mais avançados da época. Estava subindo e via um caminho de neve que se formara em um fenda da rocha. Podia sentir o ar frio, do fim de tarde, e ver ao longe, além da próxima crista topográfica, o sol poente na direção sudeste.
 Em um lance de segundos sentiu que veria uma imagem familiar, que não vira até então no voo, talvez por ainda tentar controlar as sensações daquilo, ao invés de simplesmente sentir. Mas naquele átimo de segundo, sentiu o cheiro do amor. O cheiro de água pura, talvez nunca provada por nenhum caminhante, dado o relevo.
 Era uma imagem apenas para eles, as aves, as nuvens e as estrelas do dia e da noite.  Em um instante a neve desapareceu da superfície, e seus olhos puderam contemplar a espuma que se formava entre as rochas escuras e pontiagudas. Era mesmo a água mais pura que já havia visto, e sentiu um certo pesar de não poder parar para bebê-la.
Foi neste momento que percebeu que se afastara da água, não contrariado e arrastado, mas apenas feliz com a nova direção e imagem que se descortinavam ante seus olhos. O abismo na direção oposta daquele estreito, que ficara para trás á esquerda, era um vale verde, branco e dourado, misturado com todos os lilases e violáceos alaranjados, que o magnífico ocaso lhe oferecia. Viu que não controlar o voo não era ruim, e que de alguma forma ele colaborara para tudo aquilo.
Ao se aproximar do ponto de retorno, viu o automóvel de alguém com sua companheira.
Pousou longe das vistas, mas perto, entre a vegetação.
Enquanto seus olhos fechados o traziam de volta a sua vida normal, ouvia uma voz que dizia:
-Ele olhou para a mulher?
-Não.
-Tentou saber a marca do carro ou algo que identificasse o casal?
-Também não.
-Droga... O que ele queria?
-Apenas voar.
-???
-Deixou claro que era grato, antes de se retirar, mesmo sem se identificar. Aparentemente, para deixar o casal tranquilo, com sensações anômalas que pudessem ter sido sentidas com sua aproximação, pois precisara pousar para não ter problemas no fim do sonho.
-Como eles se sentiram?
-Um pouco estranhos, mas gratos também. Como se tivessem participado de uma leve experiência para-psicológica. Sequer comentaram um com outro sobre o assunto no caminho de volta.
-Gratidão...
Abriu os olhos e continuou seu dia.
Pensava que poderia ser deus um ser que ficou escravo de um gênio, uma de suas criações enviadas ao mundo.
 Que aceitara ter muitas almas sonhadoras, para ver o que todos os seus filhos faziam na terra.
 O gênio, que lhe dera isto, era o mesmo que realizava os desejos de cada um deles, em vigília.
 A cada desejo realizado, de seus filhos acordados, ficava deus mais aprisionado.
 E a cada sonho de um de seus filhos, em que entrava, se convidado, realizava seus desejos mais felizes, e tentava conduzir os desejos deles a felicidade. Não como quem os obriga, mas como que os guia. Sim, aos que querem.
 Para que realizando sonhos gratos, sejam livres.
 E assim , quem sabe um dia, também tal deus e ele mesmo, um de seus filhos, ficaria livre.
 Tentava não abusar nem mesmo dos sonhos. E acordava sempre grato.
-Enquanto for grato e modesto, deixe-o continuar voando.
-Como se pudéssemos impedi-lo... (risos)
Fim.

















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