sábado, 28 de janeiro de 2012

Baby

  Baby era seu apelido, pois onde quer que estivesse tinha sempre consigo um vaso de leite. E não qualquer leite , mas leite materno. Pois era desde nascido muito alérgico a todas as espécies de alimento, órfão de mãe de parto, de quem herdara olhos castanhos quase vermelhos, e recebera do seu pai desde que se lembrava de si , o alimento das amas de leite da família do pai (pois moravam distantes da família da mãe , do hospital ,  e do banco de leite). Nunca tivera uma crise alérgica , pois seu pai constantemente lhe lembrava do que aconteceria se provasse algo que não fosse leite materno. A saber, eritemas e edemas de glote , com hemorragias internas e morte rápida e dolorosa. Tinha até lhe mostrado um vídeo com uma pessoa tendo um choque anafilático e morrendo.
 Baby vivia fora isso uma vida normal. Era bom aluno e respeitado em sua comunidade tinha também habilidade com as meninas e em esportes também. Nada lhe faltava e por confiança deixava que seu pai sempre cuidasse de buscar seu leite, desde criança. Agora um adolescente , sabia que em algum momento teria que cuidar disso, mas não tinha pressa, pois não tinha fome.
 Um dia estava com seus amigos e recebeu um telefonema. Seu semblante mudou ao receber a notícia de que seu pai estava morrendo. Atropelado perto dali. Correu pra lá.
 Ao chegar perto viu que o sangue se espalhava por todo lado , o olhar de seu pai se amarelava, sua respiração diminuía. Chegou o rosto mais próximo do negrume do asfalto. E ouviu as últimas palavras do seu pai.
-O porão, a verdade está no porão, mas não se engane , ela ia nos abandonar , ela nos traiu. Não a deixe ir... e morreu.
- Não entendeu o que ouviu, tentou gritar para que seu pai não morresse. Já era tarde. Acompanhou o rabecão até o IML e depois foi para casa.
  Ao chegar foi até a geladeira e pegou um copo de leite. mas ao caminhar pelo corredor para a sala , se lembrou das últimas palavras do seu pai.
 Abriu a porta do porão e lentamente desceu as escadas., ouvia um barulho de máquinas de sobrevida, como em um hospital. A cena que se descortinou era bizarra.
 Diante de si , uma mulher de meia idade estava presa em uma grade pelas mãos e pernas, meio vestida , mas sem pudor ou cuidado. Estava presa a tubos que a alimentavam e instrumentos que aferiam sua saúde. Havia também coletores conectados para recolher fezes e urina. Estava vendada e ao ouvir seus passos, emitiu um gemido pelo cano que lhe entrava na boca e tentou se mexer. Uma baba escorria do nato de sua boca e caía num balde que já estava quase cheio. Se aproximou e tentou ajudá-la , mas então percebeu que haviam tubos conectados aos seus seios. Tubos que sugavam , de seus seios enormes e disformes, leite materno para dois galões de armazenamento. Baby estava horrorizado. Retirou então a venda dos olhos da mulher . e só então , vendo que os olhos dela eram iguais aos seus, vermelhos , percebeu que era sua mãe. Ela assim que se viu livre da venda  tentou se comunicar com ele. Seus olhos eram pura expressão de alívio. Nunca havia visto o filho em toda sua vida . Lágrimas de felicidade rolavam por vê-lo, após tantos anos de escravidão e sofrimento nas mãos de seu ex marido, e também de alegria, pois ficaria livre!
 Mas ele, que também chorava, olhava para os tubos em seus gigantescos seios e não conseguia retirar tão rápido as amarras, em desespero pensava em toda sua vida. As palavras do seu pai vinham a mente entre as imagens "-Ela ia nos abandonar, ela nos traiu, não a deixe ir."
 Pensou em toda sua vida. Em que poderia não ser alérgico a nada. Que amava tomar seu leite e ser diferente dos outros. Que sempre quis conhecer a mãe, que só vira em fotos. Que nunca tinha adoecido. Que não conhecia aquela mulher,que os olhos eram iguais, mas que não era nem tão parecida com as fotos. Que poderia nem ser sua mãe.
Aturdido e chorando, levantou-se, pegou a venda e sem querer mais pensar, colocou novamente nos olhos da mulher, afinal , ele nem a conhecia. Era sua fonte de alimento e ele adorava seu leite. Não abriria mão dele por ela. Amava mais o produto, que a explorada por causa de sua produção, tão natural e específica. Com passos trêmulos em marcha ré, mas resolvido, atravessou de costas o umbral da porta, segurou a porta novamente a sua frente, lento e nervoso e abafando os gemidos de sua leiteira, até mesmo de sua mente, fechou a porta. Decidindo continuar a farsa que era a sua vida.
 FIM.

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