quarta-feira, 11 de maio de 2016

Além do Cume do Reino Do Monte Nebuloso

Em um lugar muito longínquo, havia uma colina muito alta, que ninguém costumava subir, pois seu cume vivia coberto de nuvens , era frio e úmido. Algumas vezes , quando um viajante passava na estrada de baixo, muito longe, via uma pequena luz acima do cume, como uma chama entre a névoa, por um átimo de segundo, mas jamais conseguia se esquecer, nem contar a mais ninguém.
 Havia um corrente de vento que levava constantemente a névoa do vale até aquele ponto. A névoa subia pela manhã e desaparecia nas nuvens acima do cume do monte. Mesmo nos dia mais claros, aquela direção do céu era escura, pela sombra da montanha e pela névoa sinistra que vinha do distante mar , subindo o rio.
Certo dia, um viajante que viu a luz resolveu subir até o alto do Monte Nebuloso, preparando para isso uma vara, um candeeiro, um cantil, e um alforje, e tendo vestido capa e chapéu, subiu partindo em uma jangada movida a vara para a base da montanha.
A água do rio era escura e calma, E podia-se bebê-la no percurso, era muitíssimo doce, mas com um leve amargor ao fundo, e  mal parecia se mover em direção ao mar, e apenas pela margem se podia tocar o fundo com a longa vara.
 O viajante subia o rio, empurrando o leito, com o candeeiro pousado na jangada, mas o alforge e o cantil permaneciam junto ao corpo. Tinha mais medo do desamparo de nada ter que comer, que da escuridão que o cercava, e não gostava de matar para se alimentar, preferindo o que fosse cultivado por ele mesmo, que advindo do reino selvagem.
Ao chegar ao sopé da montanha, amarrou o balsa e a longa vara. E tomou a trilha que já se tornava enevoada e úmida. Apenas com o que podia levar nas mãos.
As árvores, e não o céu, lhe indicavam a direção a seguir, pois o vendo úmido que vinha do leste e do sul, deixava este lado da árvore verde e cheio de insetos úmidos e musgo, enquanto o outro lado guardava a casca mais seca, formigas, casulos de borboletas e mariposas, vespas e abelhas, e os ninhos das aves. Subia se dirigindo para o norte e o oeste, alternadamente, para não dar voltas na montanha sem alcançar o cume oculto.
Quando finalmente a névoa o envolve, sentia o receio de cair de entre as árvores, que procurava tateando para saber a direção a seguir. O abismo que ladeava o monte, já muito percorrido, e por isso em altitude perigosa demais, para isso. Mantinha os ouvidos no rumor da água, usando-o como contra azimute.
 Era um canto que vinha de alguma cachoeira ou margem de rio, que se precipitando ao fundo, fazia um rumor de um murmúrio. Um chamado à se desviar do caminho, e seguir na direção do véu de água, ou se atirar em direção ao lago tranquilo, que por entre a névoa se via ,plácido, sendo alimentado por um dos braços do grande rio escuro.
 Mas o lago era estranhamente azul, diáfano, e uma luza refletida, talvez nos cristais do vale, beijava toda a superfície, revelando o fundo, como uma piscina, mas que de cima, não se podia saber a profundidade, nem se poderia sair dali vivo quem mergulhasse em direção dos seus sons e suas cores. As próprias pedras submersas, que pelo verde limo mostravam que estavam imóveis, e apenas acariciadas pela água quase parada,  pareciam se mover com a leve névoa diáfana e também feminina, e não permitiam o perfeito dimensionamento de suas formas, dado a tantos véus, ou se era seguro se lançar por entre elas, e se vestir com eles.
 Dizem que suas águas desparecem misteriosamente em algum ponto não visível do alto, tornando a verter dos olhos da cacheira no alto, e assim mantendo a névoa no cume ao sopé, produzindo estranhas e hipnóticas nuvens iridescentes e luminosas mesmo à noite , e que os corpos dos que foram enganados por tamanha beleza, são para lá carregados, e por isso não aparecem no fundo do lago. Outros dizem que as próprias pedras os devoram vivos quando caem, sugando até mesmo seu sangue das águas, para que nenhuma mancha vermelha fique sobre elas, e assim alerte os passantes do caminho do alto a não se lançarem. Protegendo assim a armadilha. Mantendo assim o convite.: "Desista". "Venha." "Descanse." "Salve-se do seu cansaço e da subida que resta." "Fique com o que vê." " Você sabe que quer sombra e água frescas , como estas." A lagoa abaixo e a névoa acima, ambas insuperáveis em enganar os sentidos da audição, do olfato, e da imaginação do toque. Ninguém de longe as vê frias e mortais como são aos que se atiram sobre elas.
 Mas o viajante desviava os olhos do caminho perpassado, e olhando de volta ao norte, subia, sem enxergar, lenta e seguramente, e sem vacilar ou tremer. Pé após pé, apoiado em seu bastão, e carregando seu candeeiro aceso, em fogo baixo, para iluminar o chão, pois sabia que a névoa é impenetrável, e expôr a chama apenas a apagaria, deixando-o sem nem chão para saber onde pisar.
  Passou quase tropeçando e caindo, meio acordado meio dormindo, por uma fenda na rocha, do lado esquerdo, e saindo para o outro lado da montanha, nada podia enxergar em absoluto. Estava cansado e já havia pouco pão no alforje, e quase nenhuma água no cantil. O candeeiro já estava quase sem combustível, e quando parecia que não poderia piorar, bateu com o rosto na frieza familiar dos que já caminharam pelas cidades, chegou a uma muralha, que não se via de debaixo da montanha.    Intransponível, feita de tijolos imensos de pedra úmida e escurecida pelo tempo. sua altura projetava uma sombra fria e rude.
  Da névoa, além do frio, vinha agora uma fina chuva. E caminharia agora escondendo o candeeiro para se aquecer sob o manto molhado, e quase de olhos fechados, enxergando o muro com as mãos , e o chão acidentado com os pés, já bastante feridos, nas sandálias humildes e gastas de viageiro. O bastão, por hora sem utilidade, amarrado ás costas, por proteção.
 Então agora ao oeste estava o abismo, e ao norte a muralha que nada deixa sequer enxergar. Restava para ele descer ladeando a muralha para o leste, caminho que não tomara desde o início, pois levava a rodear a montanha sem subir, mas se não podia voar, ou escalar o muro,  caminhar descendo foi à contra-gosto sua opção. Apressou-se, por não ter mais tempo em óleo, e também por agora ser uma leve descida. Sentiu certo conforto nisso, e uma estranha gratidão.
 Foi então que aconteceu algo inusitado. A névoa que cobria a tudo desapareceu. Pensou que havia descido , mas ao olhar para baixo viu que a névoa lá estava. E ao olhar novamente em direção da muralha agora via um enorme portão, e junto a ele, um homem sentado, lendo um livro, tendo sobre sua cabeça um Candeeiro igual ao do viajante, mas que brilhava mais, cheio de óleo, reluzindo, mesmo que ainda estivesse claro, ali onde a névoa não estava.
 Aproximou-se do Porteiro, que era baixo e barbudo, mas com um sorriso que era mair que ele mesmo, ao ouvir o "boa tarde!" do viajante, deu uma grande gargalhada.
 - Ah! você chegou! finalmente! -AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!- Vi sua luz quando começou, mas como havia ido pelo lado fechado, achei que não chegaria, como muitos que subiram por aquele lado e ficaram vencidos pela fome, pela queda, ou nos braços das pedras cantoras do lago azul e da névoa do monte. São difíceis de resistir, e muito más com quem cede ao seu chamado, mas admiram muito quem avança até o fim.  Parabéns por ter chegado até aqui! Mas quem és? Digo. Ah ! Isso não importa! Quem somos nós , não é mesmo? O que o trás aqui? Pode me dar um gole de água do Rio Negro? - Disse o Porteiro, fechando o seu livro, piscando um olho, e espalhando em volta a poeira que recobria as páginas. O que fez o viajante imaginar a quanto tempo ele estava ali, lendo aquele livro, e esquecer de que não havia perguntado seu nome.
 -Gostaria de subir até o alto da montanha, e talvez ver o que fica além dela. Se isso me for permitido, pois não sabia que havia alguém morando no alto dela. Seria possível , por gentileza, sim? - Disse humildemente o viajante , abaixando seu candeeiro, retirando o capuz e fazendo uma educada reverência para aquele porteiro que aparentava ser muito menos nobre que ele mesmo. E lhe estendeu o cantil. Mas fez assim, porque pensava que na verdade nada sabia dos costumes ou da aparência do homem, e assim era prudente tratá-lo com a mesma nobreza que recebia no seu lugar. Ele poderia ser até mesmo o rei...
 -Além do cume que sequer vê... Não conhecia o cume... Não havia então má intenção... Pela atitude, é nobre, e não se presume por sua aparência , nem oculta temerosamente seu valor... Com certeza podia mesmo passar a muralha... AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!! Claro que pode passar! Mas porque quer passar de novo? -Perguntou o homem baixo, dando um gole na água , e devolvendo o cantil. Fazendo que eles tirasse os olhos de tudo, ao receber de volta a água, que também bebeu.
 - De novo? - perguntou a si mesmo o viajante abaixando o cantil, e derramando uma gota de água em solo, enquanto se virava de volta ao portão.
 E olhando através, para o outro lado, que deveria ser o de fora, percebeu que estava do lado de dentro. Pois o monte ao invés de subir ante aos seus olhos, na direção oeste e norte, agora descia na mesma direção de que vinha, mas agora como se estivesse para trás, como se a montanha toda tivesse se invertido enquanto ele falava com o Porteiro.
 Podia agora ver fora do portão o monte descendo, escuro, mas além da névoa, e percebeu que estava muito mais alto , mesmo tendo certeza de que estava descendo antes.
 Ao se virar para ver o porteiro, ficou fascinado e estático com o brilho do candeeiro, parecia que a noite havia caído sobre eles, e o dia ficava fora dos portões, e por isso, a luz agora feria seus olhos, e era impossível olhar diretamente para ela.
 Ao abaixar os olhos, viu, iluminado de cima, e agora em pé, o Porteiro sorrindo, mas agora parecia mais alto, e também mais solene, e menos ruidoso. Até sua risada agora era mais branda e profunda.
-Como ?- Exclamou o viajante. - Eu não estava fora? Seu rosto era puro espanto.
-Estava .-  Disse o porteiro, rindo baixo e gravemente, e estendendo o livro que estava em sua mão direita para o viajante.- Mas agora está dentro. A muralha o puxou para dentro como você queria ,e já que nos deu água.  Você não está mais no mesmo lugar. Nada aqui será igual ao que era fora ou antes.
 Esse livro deve ser entregue ao rei do monte quando você o encontrar. Precisará do seu consentimento para ver o que há além da montanha, como quer. Boa sorte e tente não se perder no castelo. Adeus!- E apontou para o sul, que agora era o norte. Lançando um facho de luz da lanterna para onde apontara, como se a luz seguisse sua mão. Para o alto da montanha, que estava onde deveria ser o embaixo, levando o viajante a olhar a direção apontada como uma criança inocente.
 E ficou novamente estupefato, pois ele já esperava a subida no lugar da decida, que agora se tornara em uma subida vertiginosa e angular, e sombras cobriam o cume, e por entre elas, a imagem de um majestoso Castelo Medieval! Feito de blocos magníficos de pedras perfeitas e encaixadas ali antes daquelas eras, tão bem marcadas pelas trepadeiras que subiam por toda lateral impávida do imenso conjunto de edifícios! Uma cidade sobre a montanha! E estivera todo esse tempo oculta pela névoa!
 Ainda sem fôlego , voltou para buscar o Porteiro coma visão, mas ali nada mais havia, senão a lanterna fixada na parede da muralha! Nem mesmo o portão estava mais lá!
 Tentou tirar a lanterna da parede, e puxou com todas as forças o elo que a prendia. Mas nada. Escorregaram os dedos no ferro úmido, e caiu ao chão rolando. Levantou-se e tentou se limpar da lama que se lhe pegava, apenas para reparar que agora nem mesmo a lanterna estava mais lá.
 Agora era ele, a muralha, o breu, e a colina do castelo. Sua vara, e seu Livro nas mãos. Decidiu subir.
  A medida que subia, percebia que seus sentidos se alteravam mais que a paisagem, não sabendo se pela altitude, se pelo cheiro do musgo das paredes que se aproximavam, quando atravessou os portões abertos do castelo escuro, ou se foram as palavras do Porteiro que ainda ecoavam em sua mente. E seus olhos. Como brilhavam os olhos daquele homem pequeno! Jamais se esqueceria daquele olhar, ou daquelas palavras... ..."Além do cume que sequer vê..."Dava impressão de ser uma voz conhecida.
  O castelo estava vazio. Do pátio, via a muralha com ameias  menores ao redor. Separando o castelo da floresta que lhe abraçava, como se não o quisesse jamais deixá-lo partir.
 Algumas árvores eram tão grandes que deveriam ter centenas de anos, talvez milênios, até. Haviam crescido junto aos muros. Derrubando poucas pedras do alto. mais como que para sustentar a construção que para substituí-la. Pensava em como isto estaria deserto e desconhecido durante o crescimento dessas árvores magníficas? Qual seria afinal o poder da névoa que o encobria?
 Ao adentrar pelo salão da nave central, percebeu o trono ao fundo da sala. E nele, sozinho, no escuro, e ao lado de um púlpito vazio.
 Ao se aproximar, ouviu a voz do rei, que reconheceu de imediato! "Auto lá! Auto!!! Quem vem lá? Na entrada do meu salão real, sem ser anunciado ou convidado por mim???"- Era o rei que falava, mas a voz, a forma, o modo de falar grave, apenas ainda mais grave, já havia ouvida aquela voz.
 Uma luz se acendeu atrás e acima do trono, e o viajante pode então ver uma cruz quebrada ao fundo, e sobre a cabeça do rei, uma espada gigantesca, pendurada em um fio tão fino que mal se via. Diria o viajante que era como o marfim do maior elefante, pendurado em um mero fio de teia de aranha. Imóvel, mas assustador. Mas o rei não olhava para cima. Aquela lâmina era para ele tão natural quanto a corôa que trazia sobre a cabeça.
 A luz , inconfundível, era certamente a lanterna, o Candeeiro da entrada que o jogara no chão e desaparecera, agora se mostrava, quase como rindo do viajante, por trás do ombro do grande rei. Antes que ele respondesse , ouviu outra pergunta:
-Quem te deu meu Livro? Como você o pegou? - gritou o rei se levantando, e não deixando mais dúvidas. Adiantou-se , oportunamente e estendeu o livro, decidido a participar da brincadeira que o destino lhe aprontava, sem saber o que lhe esperava ao fim, mas recordando-se do que lhe dissera, aquele que vira primeiro naquele castelo mágico.
 -Tu que mo deste, ó rei!- disse o viajante- Quando adentrei o teu reino, e ante a essa luz que ilumina a nós ambos, abaixei eu meu candeeiro ao solo e lhe dei água para beber!
 O rei não reagiu de maneira clara. deu um passo para trás e sentou no seu trono, novamente.
 -EU NÃO ME LEMBRO! - Disse levando a mão a cabeça, e por um segundo olhando pelo ombro, para a espada sobre a sua cabeça. E então se endireitou.- Não importa! Me lembro do que interessa! Sou o rei do Monte Nebuloso! Se te deixei passar é porque mereceste, com certeza! E não querias meu reino! Eu nunca erro! E ninguém no meu reino tem o direito de errar! Minha espada sobre a cabeça de quem errar pelo meu reino!!! Matei a todos!!! AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!! - Gritava , revirando os olhos e levantando os braços! Brandindo seu cetro no ar, e espalhando a névoa azul-esverdeada que irradiava ao redor.
 Só então percebeu que pelo lado direito do castelo o teto havia desabado, e o luar entrava pelo salão, desenhando nuvens o chão, enquanto testemunhava o terror contido do viajante, ante o furor de um rei louco e esquecido pelo tempo!
 Ao lado da parede e da porta que leva a torre última, que se via pelo buraco do teto, ao lado direito do olho lunar atento, o som do vento com um uivo. Silenciando o que ele tivesse pensado em responder ao rei. Era o mesmo, apenas maior, mais velho, sem memória completa, Mas o mesmo brilho no olhar!
-Dê-me o livro!- Disse levantando-se. E nesse momento o púlpito vazio se dirigiu para ele, fazendo que o viajante percebesse que o rei jamais deixaria o trono. Levantaria ou se sentaria, e  quando quisesse algo, tal coisa se lhe seria trazida por sua vontade, como o próprio livro que sem pensar estendia-lhe, sendo tudo que possuía nas mãos. Entregaria a vida àquele rei, se assim ele pedisse. -Dê-me!- disse já tomando-o e abrindo-o, com a desenvoltura de quem folheia seu diário. E do canto do livro puxando uma pena branca, com a qual fazia menção de escrever.- Quero escrever seu nome aqui para que seja registrado que por aqui passo tal nobre!!! Diga-me seu nome.
 -Sou uma Memória Viajante, ó meu rei. Don Bac, é meu nome, pode escrevê-lo em seu livro!
 E aproximando-se do púlpito, viu a bela caligrafia do rei. que nobreza de detalhes!!! Quando viu o rei terminar de escrever seu nome no livro, e assinou em seguida, caprichando também na assinatura imitando para ficar parecido.
-Pronto! -disse o rei.- Já pode subir! Cuidado com os degraus do meio, são soltos e podem te derrubar com tudo!  Nunca olhe para a parede oposta, pois se olhar para o abismo , que se vê por entre ela, ele te puxará para sempre! A porta é aquela mesmo , à sua direita! Espero que que você goste de ver o que há "Além do cume que sequer enxerga..." Boa viagem! leve consigo essa jóia de ouro, em forma de meia máscara dourada com uma mão ao lado, reconhecerão-no além por este sinal.
 Atônito e trêmulo, pela ansiedade, mas resoluto, apesar de confuso. Pois neste momento já não sabia se o rei se lembrara de que era o Porteiro, ou se ele se lembrara do viajante ao repetir as palavras de antes.
 Com sua vara nas mãos, o cantil e a joia no alforje, começou a subir os degraus, afastando-se da luz do candeeiro e até mesmo da lua. Apenas a névoa azul -esverdeada, como um vapor de jade, água marinha e dourado o envolviam. Estranhamente , quando se esforçou para não olhar para a parede oposta , que estava rachada, e deixava ver o abismo, notou que podia ver luz no limo que cobria a as pedras do corredor espiral da escada, em meio a escuridão que a tudo cercava e que poderia ver o lado de fora da torre se forçasse a vista, mas resistiu fazê-lo, leal ao conselho do rei.
 Não mais enxergava a entrada ou o alto da escada. Estava só, mas sentia o olhar do rei, do porteiro, do candeeiro e até mesmo da espada pendurada no fio de teia de aranha, apontavam para seu coração. Sentia seu próprio pulso em seu peito, em sues tímpanos, em suas mãos pegadas tão firmemente em sua vara.
 Sentiu um vento forte descendo pelas escadas, viu o clarão de um raio e ouviu o som de um trovão, que atingiu a parede contrária, que  ruiu nesse momento, revelando uma tempestade rodopiante. Um tufão de raios multicores cortando o céu e a torre! Um grito partiu o peito do viajante Don Bac! Que agora subia com as mãos soltas e os pés balançando, se despencava da muralha além, sobre o abismo e o despenhadeiro! Rodopiando e gritando, os olhos antes fechados , agora esbugalhados e abertos, tentando em vão sugar o mundo insano que se descortinava, como se fosse seu fim:
-O QUE HÁ ALÉM DO CUME DO MONTE NEBULOSO, QUE EU DEVERIA VER???!!! Onde diabos está minha vara e o meu candeeiro???!!! AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!
(mas seu alforje e seu cantil permaneciam junto a si...)
O vento chegou até o salão do rei, que virou o rosto da direção do livro, que se fechava e se afastava lentamente , ocultando das eras o nome de Don Bac, o Viajante, no livro real.
 O vento tinha o som de um trovão, de um tufão, de um grito, de uma gargalhada, um gemido e um sussurro, um suspiro final, ao entrar pela porta da torre. O rei achava sua voz sempre igual. Sempre familiar. Sempre como a sua mesmo, da primeira vez que chegando ao cume do Monte Nebuloso e encontrara o Porteiro, e encontrara o Livro e o Candeeiro, e suportando a encarada da Lâmina Suspensa, e se coroara rei. E como a si mesmo vira chegar , e se apresentar como viajante, olhando-se como a quem reconhece um Porteiro, e não percebendo o quanto era agora parecido consigo, e que ele deveria estar igual ao Porteiro, e de que todos que chegavam ali se tornavam iguais, mas nunca se reconheciam, ou a ele. Facilmente eram convencidos de que ele é que se esquecera. Quando o tratavam como fosse o Porteiro, já estavam pegos, nem sabiam mais quem eram ou onde estavam.
 E de como enviava sempre o seu novo eu às escadas, à torre, e ao que há além do cume do Monte Nebuloso , que é o que queriam, e o que ele mesmo queria, antes de se sentar naquele trono, teria lhes dado o trono e seguido em seu lugar se assim o tivessem desejado, mas querem sempre ir além. Como ele mesmo deveria ter querido em seu tempo, se não tivesse sido imobilizado pelo olhar da Lâmina Suspensa no Fio de Teia de Aranha.
 Se o viajante tivesse perguntado o que havia lá, não saberia dizer. O rei nunca subiu até lá, apesar de sempre se ver a si mesmo pelas costas, a subir os degraus.
 Se tivesse perguntado o nome do rei teria ouvido;
 -Don Bac, Rei Viajante do Reino do Monte Nebuloso e do Reino de Além Ali e Lá. Por gentileza, sim? - que era como se apresentava.
 Mas nenhum dos viajantes jamais perguntou seu nome, ou percebeu que todos os nomes assinados eram iguais. Todos olhavam apenas as letras do seu nome, e a beleza da caligrafia, e assinavam igualmente sem perceber que escreviam da mesma forma que o rei. Será que aquele era mesmo o nome deles, ou o seu?
 Nós, se não somos, nunca saberemos.
O rei recostou, curvou sua cabeça para si mesmo, sentado em seu trono, adormecendo novamente. A luz do candeeiro se apagou do salão e se acendeu na muralha. Depois se apagou da muralha e se acendeu no candeeiro do viajante , e por fim se apagou no candeeiro e se acendeu no olho do Porteiro. Que fechou o olho, e então tudo se apagou.
Sem luz , a névoa cobriu tudo, e assim desapareceu com o a Muralha, o Castelo e mesmo o cume.
Na floreta escura do Vale das Sereias e das Fadas, se ouvia de longe novamente somente o som confuso do vento e o canto de suas companheiras belas e mortais.
 E  nesse momento, uma mulher viajante, ao longe olhou para o cume oculto e viu sua pequena luz, e acendeu um candeeiro com uma idéia impossível.
 O que passara antes, nunca mais foi visto. Pois ninguém o conhecia antes, e nada se ouvirá dele depois.  Ninguém saberá seu nome , até que se torne também nele mesmo.
Enquanto em algum lugar, além do cume do Reino do Monte Nebuloso, no ainda mais desconhecido e longínquo e duplamente impossível, Reino de Além Ali e Lá, uma multidão de viajantes idênticos e gratos, levantava seus copos cheios de vinho, com suas joias no peito, diante de uma mesa farta de pão. Sorridentes, e em um brado unânime ecoam;
 -Vida Longa!!! Três urras para o Rei Viajante Don Bac!!! O Sempre Bem Vindo!!!  Ip Ip ! Urrá! Ip Ip! Urrá! Ip Ip! URRÁÁÁÁÁ!!!
 AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!
   (BOA VIAGEM, FIM, BEM VINDO, MUITO GRATO)

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