Era fora de estação. Cidade vazia. Eu continuava fazendo tudo de errado. Três dias cheirando quinze gramas de cocaína cozida no forno, só no suco de laranja. Dançando com facas. A BAD DAS BADS. Assustando até que sabia que eu era pacífico.
E não era um pico. Era um planalto. Pois eu havia tomado um chá com 150 cogumelos 4 dias antes, quando comprei batas nigerianas. Meu cabelo estava redondo como uma árvore depois que eu deixei a Marinha. Acordei e pedi um misto quente e mais um suco. Comi como se tivesse saído de um deserto. A fogueira apagada ainda tinha as cinzas. Lembrei que tinha uma fatia inteira de cannabis prensada na cama, umas cinquenta gramas. Corri até lá e peguei um bom pedaço, fiz o beck e voltei fumando, mas esqueci o isqueiro no quarto.
Quando cheguei nas cinzas de novo, tava tocando Live, Pain lives on the river side. E eu comecei a rodar com o cigarro na mão, fazendo um tufão de fumaça verde, e de olhos fechados. Por um segundo abri os olhos pra fumar a ponta, enquanto minha cabeça rodava, vi três pessoas descendo rumo ao rio. eram três hippies: Um ruiva, um branco de cabelos perto dos ombros e calças de couro, e o outro era um negro de chapéu. Pareciam Janis , Jim e Jimi. A ponta estava apagada, então corri até o rio pra pedir fogo aos hippies, eu também me achava hippie, mas acho que ainda não sabia o quanto...
Quando cheguei na beira do rio não tinha ninguém. Zero. Nada e a natureza. Subi de volta confuso e com a ponta na mão. Essa porra é o flash back do cogu, pensei.
Parei então no fogão a lenha que era na porta do quartinho de um amigo. O fogo estava há muito apagado, então me sentei na beirada e com um fósforo, que havia ali mesmo, acendi a ponta e fiquei pensando no que teria sido aquilo.
Tinha uma porta de um lado, e outra do outro do fogão. O caminho que descia pro Poço do Hipopótamo ficava na frente. Mas isso faz muitos anos. Mais de vinte.
E então apareceu outro hippie. Igualzinho o John Lennon, mas com um chapéu africano na cabeça, que nem o do Jimmy Cliff! Eu me sentia em outra dimensão, num mundo paralelo. Parecia tudo distorcido mas eu estava bem, e sem saber o que fazer nem dizer nada, ofereci a ponta pra ele com um gesto. Ele pegou, deu um belo tapa. Fez aquela cara de quem gostou do beck e me devolveu. Eu fiz um "joinha", todo orgulhoso, pra ele, e ele fez um sinal de paz com a mão aberta, e aí saiu pela outra porta.
Eu fiquei pensando "Que cara legal né? deveria ter perguntado o nome dele..." e então sai correndo pela porta pra isso, mas o cara sumiu. Sumiu. Não dava tempo dele ter chegado até o portão, mas mesmo assim foi até lá. Nada. Desci a rua e fui até a praça, perguntando se alguém tinha visto aqueles hippies por lá.
"Zé, é fora de estação... Não tem ninguém na cidade. só você. Você deve ter visto os espíritos dos hippies." - Era o que me diziam...
Voltei confuso pro camping, duvidando de mim mesmo.
Até hoje eu sou encucado com aqueles hippies. E aprendi também a ir mais devagar com as comidas preferidas. Até larguei o pó e passei a ser extremamente esporádico com cogu... Redução de danos, manolo.
O silêncio daquela viagem me ensinou muito. Mas a música, pra mim , foi o gatilho.
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