sábado, 3 de fevereiro de 2018

Desarmada

Arrastou a planta para dentro do buraco. Tinha deixado que vivesse o bastante para compreendê-la. Sem emoções para com o subjeto da pesquisa, apenas passara o tempo observando seu desenvolvimento e aprendendo o tempo de brotamento da folha, crescimento do galho, não necessidade de muita luz, chuva, ou insetos simbióticos.
Não considerou o florescer e o frutificar, pois aprendera que as folhas eram  comestíveis. Era preguiçoso e portanto precisava de pouco espaço. Não era hábil em disputas territoriais, e portanto vivia longe dos seus iguais.
 Tinha ao seu favor apenas que não temia o seu próprio predador, pois assim como a planta, aprendera a observar seus hábitos em sua solidão.
 O predador fazia necessidades longe, mantinha seu cheiro não se limpando com água, andava contra o vento, observando o sul, sudoeste, passava muito tempo no mesmo lugar, tinha sempre cheiro de morte, não se coçava, não olhava para trás.
 Sabia tudo isso por ser diferente dos demais da sua espécie, pois aprendera a ficar parado, prender a respiração, fechar os olhos, ouvir sem fazer ruído, desaparecer por tempo suficiente para abrindo um pouco as pálpebras, ver o seu perigo ir-se embora. Não suspirar.
O predador fazia buracos, maiores ou menores. Colocava algo dentro que outros predadores desejassem. Algo igualmente fedorento. Algo morto como ficaria aquele que ali entrasse para suprir sua fome.
 Havia fome apenas porque aquele predador caçava tudo que se movesse atrás de alimento.
Toda espécie do animal "irracional" se alimentava de frutos, que colhiam juntos. Como ele amava os frutos e os seus iguais! Até que chegasse o tempo das disputas. Se tornara tímido, coisa inaceitável no seu bando.
 Ao primeiro confronto se retirou. Do território vasto e farto, foi parar em  um lugar quase morto e cheio de cheiro de medo no ar. Muitos frutos , mas nenhuma ave, sequer pousava. No chão quase não havia trilhas que não estivesse manchadas pelo sucesso daquele estranho predador.
 Mesmo no caminho perdera o gosto um pouco pelas frutas, comera as folhas baixas e não se sentira mal. Se tornou ardiloso e passou a caminhar pelos troncos e ocos, ao invés de pelos galhos e distâncias maiores. Comia umas folhas e voltava. prendia a respiração de noite , quando o seu algoz passava.
 Passou a levar uma pequena planta consigo, quando se mudava de oco, de loca , ou de algum buraco sob um tronco velho. Não ia longe. Não tinha para onde. Sempre com alguém em seu encalço, na verdade no encalço de todos.
 Um dia o predador deixou cair uma carcaça. Estava distraído e fedido. Muito sucessos.
Escolheu um buraco e colocou a carcaça de volta. Quando o bicho voltou, viu o milagre e se assustou. Se benzeu, disse que nunca mais caçava ali.
Na porta do buraco colocou uma coisa parecida consigo mesmo. Fez desejos e promessas, pediu perdão e foi-se embora.
 Olhando aquilo, o esperto animal menor sentiu que havia alguma coisa boa naqueles animais fedorentos.
  Tomou sua planta e arrastou pra dentro do buraco. A armadilha , agora desarmada lhe oferecia abrigo.
Perto da fonte, que descobrira um o pouco mais no fundo do buraco, onde o predador maior não alcançava, se alimentaria e não precisaria mais procurar outro lugar para viver sua paz. A efígie na entrada espantaria tudo que já foi caçado antes.  E  o tamanho do lugar limitava qualquer invasão dos algozes. E se algum predador viesse, desde longe já sabia como mandá-los embora sem precisar brigar. Iam-se gratos, ainda.
Um dia uma linda fêmea rejeitada apareceu por lá. Com medo e também mudada pelo longo caminho, encontrou a amizade e a companhia do estranho amigo. Dizem que se tornaram um novo tipo de ser do bem.
Se foram felizes para sempre, sempre dependeria de quanta fé tem o próximo predador.


























Nenhum comentário:

Postar um comentário