terça-feira, 30 de março de 2010

O melhor professor que existe

  Com vinte e dois anos anos eu tinha acabado de passar por minha pior crise de sanidade, que provocada pela interrupção de todas as drogas que eu usava, me levaram a estar por oito dias num sanatório.
  Fiquei então mais uns três meses sem drogas , mas por ver o beber, novamente o desejei. E do beber desejei o bar, e do bar desejei a esquina, e da esquina tudo o que ali se encontrava.
  Comecei timidamente, pois me acometia pânico de sair, de repente onde estivesse não estava seguro e voltava correndo para casa. Quando tinha erva, não arriscava passos muito largos, ia até a pracinha mais próxima e fumava sozinho no coreto, sem chamar atenção, às vezes levava o sax para tocar para ninguém. Era a praça de Santana em Pindamonhangaba, lugar onde cresci. Me sentia muito seguro ali. Um lugar afastado do centro e cercado por uma pequena igreja católica e um seminário evangélico.
   Foi numa dessas semanas que apareceram dois moradores de rua,um deles bem mais velho que o outro, eles levavam cachaça e eu levava erva, e ficávamos conversando, bebendo e fumando na pracinha, falávamos de coisas loucas e crticávamos a sociedade, como se só por sermos diferentes da maioria não fizéssemos mais parte dela. Hoje sei que ningué está fora da sociedade quando vive numa cidade, só eremitas de montanha, daqueles que se arrumam sozinhos mesmo.
  Por alguns dias, todas as mãnhas, lá estavam os dois moradores da rua, e eu, para fumar e conversar. Quando chegava a hora do almoço eu ia para casa e eles para qualquer porta que lhes desse comida, Pinda como chamamos carinhosamente a cidade, tem um dos maiores centros espíritas kardecistas do Brasil e servem sopa para os pobres todos os dias, logo todos os dias os que sabem o caminho estão lá na hora certa.
  As vezes o mais novo dos dois me perguntava como eu conseguia voltar pra casa, e ficar sem  a liberdade das ruas, eu não sabia responder, mas hoje acho que é por que meu pai me amava e tolerava, ele e minha madrasta, nessa época minha mãe tinha ficado esgotada das minhas paranóias e meu pai me acolhera. Não é fácil conviver com uma pessoa que diz o que vem na cabeça, as vezes, mesmo sabendo que é só devaneio e loucura , faz muito sentido, e magoa. Um louco com boa oratória pode enlouquecer até as pessoas de um país inteiro, já aconteceu muito na história da humanidade. Eu continuava voltando pra casa e voltando no outro dia de manhã.
  Um dia um dos companheiros, o mais velho, disse que estava com saudade de casa e também e falou que a filha morava perto dali, mas que tinha uma vergonha enorme dela e da família. Sem pensar muito, como era comum naqueles dias, eu soltei na lata que com certeza ela devia ter saudade também e continuamos a pinga e a conversa.
  No outro dia eles apareceram e o mais velho disse que almoçaram no dia anterior na casa da filha, e o mais novo confirmou, que ela tinha abraçado ele e dito que estava com saudade também. Que teve até choro, o mais novo falou isso rindo. mas o mais velho tinha uma cara de tristeza, como quem sofria da saudade e de vergonha. Fumamos e bebemos e demos um jeito de rir, cantávamos músicas do Raul seixas, sabíamos muitas de cor.
  No outro dia só estava o mais novo dos dois, e eu. Eu perguntei:
-Ué? Cadê o mais velho?
 E o mais novo com uma cara amarrada disse:
  -Não sei ontem á noite ele ficou estranho, nós estávamos discutindo bobeiras da rua e ele sumiu.
  Por um momento fiquei preocupado com o mais velho, mas logo entendi.
  -Ele foi pra casa! Disse que cansou da rua, que ia voltar pra família, que amava a filha, que tava cansado...
 O mais novo dizia isso como alguém que perdeu a mulher, cheio de mágoa e inveja pela outra pessoa por ser feliz . Ofereci o bagulho pra ele , mas ele não quis.
  -Quero não, vou beber minha cachaça aqui sozinho e por favor me dê licensa, vai fumar mais pra lá!
Não quis discutir e fui. Fui fumar numa outra rua. Por causa da sensasão que o mais novo passava fiquei com paranóia de ficar na praça. E fui fumar na rua de baixo. Quando tava passando, quem chega? O mais velho, e com a filha, saindo de uma das casas da rua. Apaguei o cigarro depressa achando que ela ia me dar uma bronca, ou por vegonha, e guardei no bolso.
  -Você que o rapaz que toca o saxofone?
  -Sim- respondi.
  -Você que convenceu meu pai a voltar pra casa?
  -Eu não- respondi ainda na paranóia- Ele que resolveu sozinho.
  -Eu queria te agradecer , já faz alguns anos que a gente tenta trazer ele, mas ele não queria, ficava falando de liberdade e umas coisas que a gente não entendia.
  Eu tava sem graça que nem o quê e  desconversei rápido pra sair dali, o mais velho se ria todo. Tava de banho tomado e barbeado, quase irreconhecível. Me puxando de canto ele explicou que por enquanto ia ser difícil aparecer pra fumar e beber. Eu disse que tudo bem. Estava feliz por ele.
 Depois que me afastei um pouco acendi de novo o cigarro e desci a rua fumando. Até hoje eu penso naquele corôa, e no mais novo. Continuo achando que não fui eu que o convenci. Mas acho que, por pior que fosse, talves tenha sido o exemplo que o convenceu. Este sim, o melhor professor que existe.

Um comentário:

  1. O caminho mais difícil é o da volta, pessoas creditam que vícios são apenas bebidas e drogas, mas existe outros tipos de vícios que prejudicam por demais os seres humanos, criticas, preconceitos, falta de Amor, ego, brigas, inveja etc, etc. É por isso que admiro vc por ser um Vencedor, você como outras pessoas tiveram a coragem de deixar para traz certos vícios que hoje muitos estão experimentando por carência afetiva ou motivos variados. O homem sempre cheirou do rapé as drogas pesadas, mas ....Tudo um dia volta ao seu normal e isso só vem provar que o ser humano é Divino em qual que tempo. Sua história é um exemplo de CORAGEM luta e VITÓRIA. Amei. bjs Heudes.

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